ENTREVISTA

Vincent Lindon

Mostrei algo de mim que nunca tinha mostrado

É das maiores interpretações do ano. Vincent Lindon em Titane, de Julia Ducournau, parte a louça toda na pele de um bombeiro sob efeitos de esteróides que se apaixona pelo filho perdido que é afinal um serial killer sem género. Em San Sebastián falou com o Cinetendinha.

Falemos de risco. Fazer Titane teve algo de risco para si?

Nesta profissão falar de risco tem que se lhe diga…Quando se faz algo fora da caixa começa-se a dizer que é um risco – não é risco coisíssima nenhuma! Risco é ir ajudar as pessoas em Cabul ou no Kosovo, salvar alguém na rua ou recolher um sem-abrigo. Representar, claro, que pode ser doloroso ou emocionante, mas apenas isso. Agora, no cinema e na vida, exagera-se tudo. Mas o que gosto nisto de ser ator é que para cada papel começamos sempre do zero. Não vale a pena pensar que por termos tido conquistas anteriores estamos mais preparados para certos papéis…Na verdade, adorei interpretar este bombeiro. Mostrei algo de mim que nunca tinha mostrado e que nem sabia que tinha. É formidável isto do cinema: permite-te descobrir os teus próprios segredos através dos filmes. Para o meu primeiro take no filme pedi que todos na equipa estivessem concentrados, pois é aí que se descobre a personagem. Tem de forçosamente acontecer algo interessante aí. Diria que é mesmo muito importante. Se falamos de risco tenho também de falar do meu corpo. Aqui tive de fazer musculação e expor a minha nudez. São milhões de pessoas que vão ver o filme, é um risco. Também é um risco contracenar com uma atriz estreante como a Agathe Rousselle…

E onde fica o prazer em todo esse processo?

No momento não ligo ao prazer. Sou um tipo muito trabalhador e angustio-me muito. Tenho um desejo infantil de fazer tudo bem. Sabes, o prazer chega antes quando me contam que vou fazer algo como Titane. Depois, também tenho o prazer de dizer : está feito. Posso dizer que fiz Titane…

A vitória do filme em Cannes pode mudar algo no cinema francês? Haverá um antes e um depois de Titane?

Sim, vai mudar. Mas sou um ator que já anda nisto há quarenta anos e gosto de evoluir devagar, devagarinho. Titane é algo de novo, ninguém esperava que uma jovem como a Julia fizesse uma obra assim. Também era inesperado alguém como eu fazer este papel…Diria que é uma obra feita como ingredientes novos ou, melhor, feita com velhos ingredientes mas de forma nova. Titane faz com que o espetador diga o que é que se passa aqui? É muito raro na minha carreira ter encontrado um filme em que há um antes e um depois. Adoro que me digam que aqui viram algo de novo em mim.