Desabafos de um Escravo de Cinema

Neste exasperante confinamento deparo-me com o aniversário de David Lynch. O senhor do cine-surrealismo fez 75 anos e para celebrar o seu aniversário revi na minha memória alguns dos momentos de prazer sensorial que me deu. O grande plano do Bobby Peru de Um Coração Selvagem, visto numa antestreia à pinha nos tempos em que a Cinemateca estava atenta ao presente; o asfalto da estrada noctívaga de Lost Highway mas também os sons da respiração do mal incorporado em Frank, o papão de Veludo Azul. Na minha cabeça, o mal que Lynch criou acercava-se do meu universo de cinefilho de forma gestativa. Era um mal com uma fantasia que não se explica mas da qual se sente uma brisa impactante. Enfim, um imaginário de termos insondáveis que nunca me abandonou. Mas claro que o mundo de Lynch, algures para além do arco-íris , não convoca apenas o mal. É por isso que Uma História Simples é daqueles filmes que não faz mal nenhum ver em “repeat”.

Neste confinamento, também percebo que Forrest Gump, de Zemeckis era mais visionário do que pensávamos. Antecipou os “memes” e o caso das luvas de Bernie Sanders lembra-nos isso. Não me apetece rever Tom Hanks no papel que lhe deu o segundo Óscar mas apetece-me apelar que abram os olhos ao que ele faz em Notícias do Mundo, de Paul Greengrass, muito em breve na Netflix. Ele é o melhor de um “western” fofinho. Um ator que está a conseguir ter um fôlego clássico em que basta “estar”. Nesta altura, Hanks faz mais com menos e isso é tão bonito.

 

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O que me faz impressão nestes dias é a forma como as redes sociais e a imprensa ignoram o mercado do VOD. Os clubes de vídeo das operadoras estão pelas ruas da miséria graças às Netflixs da vida mas é importante perceber que é lá que estão a estrear filmes inéditos que a pandemia nos privou. A saber: The Glorias, medíocre “biopic” da feminista Gloria Steinem mas que tem Alicia Vikander e Julianne Moore; O Padrinho: Epílogo- A Morte de Michael Corleone, de Francis Ford Coppola, brilhante reedição da Parte III; The Roads not Taken, de Sally Potter, com Bardem e Elle Fanning ou Happiest Season- Segredo em Família, com Kristen Stewart, comédia LGBT. Os filmes são lançados numa espécie de segredo de Estado. Mais tarde, quando chegam à janela da tv, dos TVCine, têm o dobro da promoção. Aliás, sou dos que defendo que as operadoras precisam urgentemente de rever a forma como comunicam o seu negócio de clube de vídeo. Chega a parecer auto-sabotagem.