Lucien Greaves

Salve Santanás?, de Penny Lane, está a chegar esta semana aos videoclubes das operadoras e à plataforma Filmin. Trata-se de um documentário vindo do Festival Sundance que nos introduz ao Templo Satânico, uma organização religiosa que tem lutado nos EUA para dar voz àqueles que discordam do monopólio cristão. O filme é uma agradável surpresa para desmontar lugares comuns sobre o imaginário de Satanás e dos discípulos. Aqui, os maus-da-fita acabam por ser os líderes cristãos intolerantes. Afinal, de contas, estes satânicos no seu gesto de provocação estão sobretudo a promover o mais elementar direito à liberdade de expressão.

Na semana passada, o líder do Templo Satânico, Lucien Greaves, o protagonista do filme, ligou  dos EUA para o Cinetendinha. Não foi preciso invocar expressões como vade retro nem nada disso…

Qual foi a tua reação quando te viste pela primeira vez retratado neste documentário, Heil Satan?

Esta questão da liberdade religiosa nos EUA é muito vasta e fiquei espantado como Penny Lane conseguiu resumir isto tudo. Para quem quer ter uma introdução ao Templo Satânico o filme está muito bem ligado. Mesmo sem darmos por isso recebemos muita informação, além disso é impecavelmente narrado. Pessoalmente, diria ainda que é um filme justo por muito que houvesse mais que pudesse ser abordado.

E sentes que há uma mensagem principal que se sobrepõe?

De forma exata mostra que nós não somos nada como as pessoas julgam que somos. Nós não somos uma piada nem acreditamos em fenómenos sobrenaturais! Provavelmente, somos uma das comunidades religiosas que mais está a crescer em todo o mundo apesar de não sermos tão falados. O filme mostra sobretudo a forma como nos dispomos no debate político. As pessoas que virem o filme vão ficar com uma imagem credível sobre o que fazemos.

Parece-me que o filme celebra precisamente o direito a um debate contra o cristianismo como força monoteísta…

O melhor da fundação da América é a sua base de nação secular. É uma grande mentira sermos uma nação cristã, somos uma nação pluralista que respeita a liberdade religiosa e a diversidade do pensamento. E é agora que estamos a sentir os efeitos do golpe teocrático. Um golpe que nos está a deixar fragilizados. Esta atual resposta ao coronavírus não pode ser vista de forma separada ao casamento desta administração com teocratas da direita. O governo, por estar tão ligado com os cristãos de direito, não consegue dar uma resposta boa para o bem do povo, sobretudo ao não respeitar os cientistas, eles sim aqueles que podiam lidar com a situação. Os EUA deixaram de ser uma nação com respostas efetivas às crises.

Salve Satanás? não mostra, mas é verdade que o vosso grupo é constantemente alvo de ameaças de cristãos e que a vossa segurança está em risco?

Sim, as ameaças são constantes. É claro que nunca sei se as ameaças são plausíveis. Até agora só me tentaram matar uma vez. Na manifestação que viste no final do filme não se percebe a quantidade de pessoas que estavam armadas. No Arkansas quiseram mesmo pressionar-nos. Como sabes, é um estado com liberdade para andares armado, mas como estávamos na zona do capitólio, as pessoas já não poderiam estar armadas. Mal saímos dessa área fomos imediatamente perseguidos, foi perigoso. Dependendo dos eventos, costumo ter uma equipa de segurança comigo.

Em Portugal há muitos putos de famílias católicas que acabam por gostar de um imaginário satânico, seja através do death metal ou do puro fascínio da simbologia gótica. Isso não te espanta, pois não?

Não, o imaginário satânico é algo muito poderoso. Não é preciso acreditar em Satanás para gostar. Isso acontece sempre em locais onde há uma presença religiosa fortíssima. Digo-te já que há gente cristão que curte estes símbolos. Outra coisa que o filme não mostra é a forma como podemos conviver com os cristãos – num dos comícios, antes de eu falar, tinha discursado um pastor de uma igreja cristã do Arkansas. Era um pastor que compreendia  a importância da nossa mensagem de fazer separar o Estado dos temas religiosos. Se outras organizações religiosas percebessem a nossa luta no terreno até eram capaz de aprovarem o que fazemos…

Sabes se em Portugal temos fiéis vossos?

Sim, temos alguns membros. Recebo algumas mensagens de membros que fizeram aí a suas ordens nos nossos mandamentos. Lembro-me de alguém que chegou a querer formar um círculo aí mas que  depois arrependeu-se – teve medo que tivesse problemas depois no trabalho. Aqui também acontece muito isso…

Tens a noção de que se o filme fosse mostrado na plataforma da Netflix tornas-te-ias numa super-estrela a nível global tipo Joe Exotic, do Tiger King?

Sim, mas já experimentei nos festivais a força do impacto deste filme. Antes de estrear, nunca imaginei que as pessoas pudessem gostar ou compreender o que o documentário trata. A verdade é que não sei se era bom mais fama, o nível de reconhecimento que temos já é suficiente.