Na cidade que venera o foundue de queijo e que conserva o Cabaret Voltaire, terminou no dia 6 o 15º Festival de Zurique, o maior evento de cinema na Suíça, com um orçamento superior ao Festival de Locarno e uma dimensão superior em tudo: convidados, sessões e imprensa internacional. As más notícias é que o cinema português foi olimpicamente esquecido pelos seus programadores – apenas presente o cineasta Luís Campos, num programa de Master Classes para jovens. As boas é que o júri liderado por Oliver Stone deu a vitória a Sound of Metal, de Darius Marder, a revelação do TIFF. Uma história sobre um baterista de metal que fica surdo de repente e é obrigado a reinventar-se. Experiência sonora a visual destinada a ser uma obra de culto.

Mas num festival que tenta apanhar muitas estreias europeias de cinema de Hollywood e fazer um pouco um gesto de best-of dos outros festivais da rentrée, o ZFF teve alguns constrangimentos, o primeiro deles a ausência de muitos cineastas a representar o seus filmes (faz sentido Lewis Hamilton estar na gala de Ford vs Ferrari- Le Man’s 66- O Duelo, de James Mangold, apenas por esse filme conter uma história de desporto motorizado?) e a dificuldade da imprensa poder estar presente em muitas das sessões públicas.

Se em Zurique se celebra a mistura de cinema “indie” com propostas mais abrangentes (não faltaram Projeto Gemini nem Joker), o sucesso de Monos, de Alejandro Lanes, não é de estranhar. Integrado num olhar consagrado ao novo cinema da Colômbia, este épico de guerra sobre os Monos, soldados adolescentes das forças rebeldes na Colômbia, impressionou por uma sentido sensorial que cruza referências tão díspares como Lord of the Flies ou o cinema de John Boorman. Importa também referir que Mica Levi encarrega-se do som, superando o nível de medo puro que provocou em Under The Skin.

Zurique serviu também para apanhar The Laundromat- Escândalo dos Papéis do Panamá, de Steven Soderbergh, injustamente atacado em Veneza. Na verdade, Soderbergh e Scott Z. Burns operam um arriscado espetáculo de comédia através de um procedimento brechtiano para fazer um filme de protesto sobre os documentos revelados do escândalo Panama Papers. E Meryl Streep diverte-nos imenso a diverte-se num papel duplo.

Do melhor visto na cidade dos chocolates é necessário incluir Rocks, de Sacha Gravon, um olhar sobre a intimidade de uma adolescente negra obrigada a ser mãe do seu irmão mais novo. Ao abordar temas como tampões ou a alegria do feminino nos tempos de liceu, Rocks finta as “obrigações” do retrato social com realismo britânico da ordem. Mas na lista dos melhores terá ainda de figurar My Zoe, de e com Julie Delpy, aqui na pele de uma mãe incapaz de superar a dor da perda da sua pequena filha. Um mergulho num conto de tragédia e maternidade com uma reviravolta estrutural notável, capaz de criar discussões sobre ética e moral.

Outro dos repescados de Veneza foi The Burnt Orange Heresy, de Giuseppe Capotondi, com atores em estado de graça, nomeadamente Elizabeth Debicki, Claes Bang e Mick Jagger, sim, esse mesmo. Um thriller invisível sobre um crítico de arte que tenta dar um golpe quando conhece o maior pintor do mundo. Discurso sobre a arte, a crítica e a miséria dos perdedores. Tudo isto ao serviço de um estudo de personagens muito competentezinho.

O mais esperado do festival terá sido Onde Estás Bernadette, de Richard Linklater, que trouxe ao cinema Corso a bela e majestosa Cate Blanchett, desta vez mãe problemática que sofre de ansiedade numa comédia sem gagues nem os espartilhos do filme americano certinho. Precisamente, nos EUA foi um fracasso tão grande, mas visto sem pé atrás percebe-se que é algo mais complexo do que à partida se poderia pensar. Longe de ser um dos pontos altos de Linklater, Where’d You Go Bernadette consegue ser leve no melhor sentido, mesmo quando vai a fundo no tema da depressão.

Muito aplaudido foi The Farewell, de Lulu Wang, ode a todas as avós do mundo que tinha sido a sensação em no Festival Sundance. Os aplausos são merecidos: este conto familiar em torno de uma doença incurável de uma avó chinesa é de uma subtileza que emociona. Lulu Wang filma uma família a despedir-se com vida e emoção de alguém muito amado. Apesar de ser muito específico sobre chineses e americanos de origem chinesa, é bem provável que o seu fator universal possa levá-lo para a corrida da temporada dos prémios. E Akwafina é extraordinária, tal como Penelope Cruz em Wasp Networdk, novo filme de género de Olivier Assayas, desta vez a debruçar-se sobre um rede de espiões que o governo cubano colocou em Miami para boicotar missões de terrorismo de cubanos exilados. Não é só Cruz notável, mais uma vez Ana de Armas prova todo o seu potencial como atriz. Desigual muitas vezes, Wasp Network está longe do peso de odisseia de Carlos, mas é sempre um prazer reencontrar Assayas a encontrar novas soluções de peso dramático em cada cena…

Em jeito de filme de despedida, a organização programou Suicide Tourist, de Jonas Alexander Arnby , objeto bizarro vindo do cinema dinamarquês. Com a estrela de Game of Thrones, Nikolaj Costar-Waldau, trata-se de uma tragicomédia sobre um quarentão que descobre que tem um cancro terminal e decide suicidar-se num hotel de suicídios assistidos. Se o humor não é negro, mas sim bem nórdico, Suicide Tourist vale  também por um clima tão surreal como melancólico numa Dinamarca cinzenta e baça.

Para o futuro, o ZFF vai ter novos diretores e terá de lutar para conseguir ganhar  mais estreias mundiais. Mas não vai mal a vida de um evento que numa semana conseguiu convidar Javier Bardem, Kristen Stewart, Cate Blanchett, Donald Sutherland e Zendaya…