“ Gentleman Jack vai dar muito que falar!”

É neste momento a atriz mais falada em Inglaterra. Trata-se de Suranne Jones, a protagonista de Gentleman Jack, a série “queer” da HBO já disponível na HBO Portugal. A atriz de Scott & Bailley contou em Londres num exclusivo ao Cinetendinha.pt tudo sobre esta série baseada na incrível vida de Anne Lister, uma mulher que desafiou as regras de género na Inglaterra rígida do século XIX.

Qual a melhor maneira de descrever esta mulher literalmente de armas?

É complicado. Ela era de uma modernidade incrível. Se vivesse nos nossos dias estaríamos esmagados por tudo aquilo que seria capaz de fazer.  Escritora, alpinista, pessoa de cultura geral acima da média e empresária, Anne Lister hoje seria uma celebridade. Na altura, temos de pensar nisso, foi capaz de enfrentar uma sociedade bem castradora, e fez ouvir a sua voz. Que pessoa tão ferozmente inteligente! Quando a conhecemos em 1832 ela é uma mulher de 40 anos tão vulnerável como corajosa.

Esta criação fez com que o seu corpo mudasse, até começou a andar de outra maneira. Sentiu-se verdadeiramente diferente após o término das gravações da série?

Sim! A minha postura mudou! Estou mais masculina (risos).  Até a minha maquilhadora sente quando estou a chegar pela maneira de andar…Passei a ter uma passada diferente, enfim, 8 meses depois é complicado voltar a andar como antes. Usar corpete também foi complicado e até posso revelar que comecei a ter problemas nas costas, a tal ponto que tiveram de fazer para mim um corpete único. Percebi que um corpete faz mesmo com que nos comportemos de uma outra maneira. Se olharmos para as outras mulheres na série percebemos que a postura delas é algo bizarra… Os corpetes mudam tudo. Mas esta maneira de andar que ganhei até me dá mais confiança. Entro numa sala e sinto-me liberta.

Se se confirmar mais uma temporada já está pronta…

Sim! Não me vai custar nada! A Anne Lister está nos meus ossos!! O mérito é todo da Sally Wainwright,  criadora e realizadora da série. Ela preocupava-se com todo e mais algum detalhe nas gravações. Nunca parou de me dar dicas sobre a Anne. A Sally é a maior especialista sobre Anne Lister! Há muito de Anne na própria Sally…Muitas vezes inspirei-me me nela para compor a personagem.

Nela e em que tipo de pesquisa?

Foi importante trabalhar muito de perto com as pessoas da caracterização e do “hair design”, bem como do guarda-roupa. Devo também referir que vi o verdadeiro diário em Halifax, tendo depois lido a tradução e compreendido a linguagem de código graças à Sally. Li também alguma da literatura de Emily Bronte, apenas para ficar com o “feeling” certo. Ajudou igualmente termos filmado naqueles cenários espantosos e verdadeiros. Quando estamos a fazer ficção de época é importante sermos transportados para aqueles tempos. Tudo isso deu-me coragem para ser mais aventureira nas minhas decisões de atriz.

Ao fim ao cabo, Gentleman Jack é uma série “mainstream” que aborda temas caros à comunidade LGBT. Acredita que pode gerar alguma controvérsia em setores mais conservadores da sociedade?

Acredito que é uma personagem que vai que falar: nem sempre é fácil ir com a cara dela. O grande debate que a série pode suscitar vai ser em torno das opções de Anne Lister, uma figura que pode convocar bastante resistência, nomeadamente dos mais puristas. Acontece sempre isto cada vez qe uma série fala de homofobia, racismo ou mesmo homossexualidade. Há uma sempre uma parte da sociedade com resistências a esses temas, mas é por isso que é importante a fazer séries como Gentleman Jack. Nós, os artistas, lutamos para uma igualdade.

Mas há algum tipo de manifesto feminista nesta série?

Seguramente que sim, mas não só. Um dos temas é a maneira como nós olhamos para a política do género. Gentleman Jack é ainda sobre a maneira como olhamos para as mulheres e para o sistema de classes. Como ser feminista passa por lutar pela igualdade, diria que faz sentido uma série destas em 2019! E a mensagem da série passa por mostrar como foi importante uma mulher querer casar com outra em 1834. Hoje não poderia ser mais relevante! Gentleman Jack vai dar muito que falar. Dá que pensar como o exemplo de uma mulher do passado possa ser tão importante para os dias de hoje.

Será que a Anne gostaria que se tivesse feito uma série sobre a sua vida? Os seus diários eram secretos…

Penso que sim, ficaria encantada! Ela era egomaníaca! Adorava estar sempre a falar das suas façanhas e gabava-se das suas conquistas. Só não sei se gostaria que estivessem reveladas as partes mais íntimas dos diários. Mas Anne Lister era um pouco como uma estrela de rock!

A dada altura, a sua personagem olha e comunica para a câmara. A Sally Wainwright já veio dizer que esse dispositivo funciona como uma forma de fazer com que o diário de Anne ganhe vida.

Fiquei um pouco nervosa com essas cenas, mas depois a Sally explicou-me bem. Diria que é um mecanismo que evita mostrar-se a personagem a escrever ou recorrer à narração. Demorei a compreender mas agora vejo que é brilhante. Posso ainda confessar que algumas dessas cenas não resultavam e ficaram fora da montagem final. Enfim, foi uma decisão de coragem. Às vezes, dava por mim a pensar: raios, estou a falar para a câmara! Não foi fácil.

Suranne Jones- EXCLUSIVO CINETENDINHA.PTSuranne Jones- EXCLUSIVO CINETENDINHA.PT