Giona Nazzaro

 

“Não é por Carlo Chastrain já cá não estar que o festival vai deixar de ter essa abertura com o cinema português”

O novo diretor do Festival de Locarno falou ao cinetendinha. Disse que não vai deixar cair os mimos ao cinema português, confessou-se um cinéfilo eclético e que apostará também no cinema de Hollywood. Em agosto, marcamos encontro na renovada seleção do maior festival suíço.

-Locarno tem uma identidade muito forte e quero proteger isso mesmo! Locarno é o festival dos novos realizadores radicais e independentes. Quero também proteger a sua identidade de festival que preza a História do cinema e a cinefilia dos seus espetadores. E Locarno também terá de continuar a ser um “hub” para as pessoas da indústria e para todos os que estão a tentar estreitar laços de início com o mercado do cinema. O que não está mal, não é para estragar, mas também quero deixar uma marca. Uma marca que seja identificada com uma aproximação específica ao cinema e à promoção das obras que passamos. Rui, depende de como se dá uma forma a um programa. Se pensamos dentro caixa ou fora dela…

Locarno sempre foi um festival que mimou o cinema português...

E claro que Locarno vai continuar a olhar para o que se faz em Portugal. Conheço os cineastas mais respeitados mas também os novos, como o Carlos Conceição. Em Veneza, quando dirigia a Semana da Crítica, já tínhamos um olhar muito atento em relação a Portugal, faz todo o sentido…Não é por Carlo Chastrain já cá não estar que o festival vai deixar de ter essa abertura com o cinema português.

Estou curioso para perceber se Locarno também é capaz de descobrir talento português que não esteja ainda propriamente no mapa dos festivais grandes…Cada vez mais, o cinema português está a descentralizar-se e até a surpreender numa ideia de cinema de género.

Eu estou atento e se há cinema de género feito em Portugal estou receptivo! A nossa forte relação com Portugal não passa apenas pelo facto de vocês serem europeus e de termos laços mediterrâneos em comum, mas também pelo respeito que temos com a vossa cinematografia. Uma das minhas grandes memórias é um dia que passei com o Paulo Rocha em Torino e no qual se juntou o João Bénard da Costa! Lembro-me tão bem do ritmo da sua fala…O nosso encontro começou de manhã e acabou à noite. O cinema português já nos deu muito! Quero continuar a ter a melhor relação possível com o cinema da tua terra.

Para ti, a ideia de teres produções de Hollywood ou da Netflix na Piazza Grande atrai-te?

Ouve, não rejeito nada! Quero que fique muito claro: o que conta para mim são os filmes e não as noções pré-concebidas. É óbvio que hoje a Netflix é um outro estúdio em termos de modelo de negócio e está à vista de todos, mas ao mesmo tempo é o mesmo estúdio que produz Mank, do Fincher, obra de quase três horas só com diálogos sobre cinema e que seria impossível ser feita no seio de outra “major”. E também produziram O Irlandês, que se goste ou não, foi muito caro a fim de permitir a visão do sr. Scorsese. Estou ansioso por ter uma respeitosa, forte e criativa relação com os estúdios de Hollywood. Sabes, sou um cinéfilo total: dão-me um bom filme de super-heróis e fico louco! Óbvio que não é apenas isso que procuro, tento estar com os olhos bem abertos. Para mim, é muito importante ter uma saudável e satisfatória relação com os estúdios de Hollywood. Esse é um dos meus objetivos.

Em Veneza descobriu cinema de países menos prováveis. Em Locarno vai apostar também nesse fator surpresa?

Mas, por exemplo, quando descobri certo cinema da Tunísia, não cheguei lá para descobrir esse cinema “exótico”. Foi um pouco ao contrário: eu é que fiquei surpreendido com o novo cinema desse país, em especial com um filme de terror, o Dachra, de Abdel Bouchnack. Nunca ninguém tinha descoberto o cinema de terror tunisiano! O truque é estarmos com o nosso olhar bem escancarado para depois ficarmos surpreendidos. Queremos ter cinema que possa interessar o maior número possível de pessoas.