“Viver no Porto reafirma o meu fascínio pelas cidades. O Porto é divino!”

A atriz que se consagrou pela câmara de Abbas Kiorastami e que vive parte do seu tempo em Portugal, está de volta. Golshifeh Farahani é a protagonista de As Filhas do Sol, em estreia esta semana. Um filme de guerra de Eva Husson que competiu em Cannes 2018. Palavras de uma atriz que foi também a estrela de Paterson e do último Piratas das Caraíbas, Homens Mortos não Contam Histórias. Foi em Cannes que estive com ela…

 

É uma iraniana que interpreta uma guerrilheira curda. Pode não ter nada a ver, mas a sua memória dos bombardeamentos de Teerão há umas décadas é a sua única janela para os horrores desta história de guerra?

Lembro-me precisamente desses bombardeamentos vindos do Iraque! Nunca estive perto do campo de batalha, mas era criança e recordo-me de irmos para o subterrâneo. Enfim, a memória da guerra eram os sons das sirenes e as explosões, nunca vivi de perto mesmo os horrores de uma guerra. Já fiz filmes com armas e arcos e, assustadoramente, sinto-me muito à vontade. É algo muito orgânico.

 

Entre o resultado final e o argumento acabaram por haver muitas mudanças?

O guião estava muito bem escrito, ao ponto de ter sempre a mesma corrente de emoções até ao fim. Mas devo dizer que ver aqui pela primeira vez o filme não é o melhor, mesmo pensando que a receção foi espantosa. As Filhas do Sol foi muito bem recebido, os aplausos foram histéricos. Eu tenho um ouvido que me deixa sentir o mundo, muito mais do que o olhar e posso dizer que tal como em Paterson os aplausos foram longos, mesmo que não tão demorados. Senti realmente que a aclamação em torno do filme foi deveras emocional. Seja como for, preciso de o ver mais vezes…

 

Porque será que consegue este tipo de internacionalização tão vasta? Vai dos EUA para o cinema francês, sem esquecer papéis de mulheres do Golfo…

Sempre quis isso, especialmente quando saí do Irão. Esse era o meu sonho! Mas quando cheguei aos Estados Unidos a maioria dos papéis que me davam eram perfeitos clichés étnicos ou raparigas terroristas. Fiquei cheia de medo! Nunca quis interpretar uma terrorista, especialmente naquela altura…Pouco a pouco as coisas foram mudando e, para mim, nada é impossível. Uma vez convidaram-me para fazer uma personagem da Chechénia e era preciso aprender a língua – disse logo que conseguia. Na verdade, em toda a minha carreira nunca quis ficar ligada apenas a uma imagem…Odeio títulos…

 

Tem alguma regra para recusar papéis?

Recuso todos os papéis que não acredito e com os quais julgo estar a trair-me. Sabes, não consigo mentir a mim própria.

 

O facto de ser uma nómada muda de facto a sua essência?

Não sei. Agora estou numa fase de trabalhar a terra, tenho as mãos todas doridas pois a minha quinta estava toda destruída. Em redor da minha casa havia muita terra por trabalhar e cultivar. Há pouco, no Tapete Vermelho, estava aflita devido ao lastimoso estado das minhas mãos! Vim do trator diretamente para Cannes! Nesta altura, vivo entre o Porto e Espanha, Ibiza. Pertenço sobretudo à selva, que é o anti-glamour, embora também goste de jogar o jogo do glamour. E viver no Porto reafirma o meu fascínio pelas cidades. O Porto é divino! Sou 50% de cidade, 50% da natureza. Não sou uma atriz a 100%, mas quando estou a interpretar dou tudo o que tenho. A verdade é que tenho mais vidas para além do cinema. E ao ser agricultora estou também a preparar a minha alma. Há muito para cultivar na minha terra, mas também há muito para preparar na minha alma. Tudo isto tem a ver com a minha personalidade  – sou um pouco uma delinquente, não gosto de ser controlada. Por norma, não gosto de ver polícias. Eu sou a polícia de mim mesma. Em Portugal e em Espanha ainda se consegue viver uma vida em comunidade. Por exemplo, vocês têm o Boom, um festival que mais ninguém tem… 

Tem fama de ser uma atriz irreverente e tem tido um discurso bastante político…Como se sente quando vê a sua cara em anúncios de campanhas de cosméticos?

Paga umas contas…A questão é saber fazer os anúncios para as marcas certas, se produzem na China, se usam crianças, etc. Não vejo problema em publicitar produtos de beleza. Por exemplo, chamaram-me da Max Zara devido ao tamanho das minhas pestanas. Claro que não sou nada fã dos anúncios que objectivam as mulheres ou os homens. Sim, os homens também são objectivados quando vemos aqueles modelos com os “sixpack”…Como disse, não tenho problemas de estar toda bem vestida num “red carpet”…tenho é depois de regressar à minha selva. Representar em cinema é uma função vulnerável, faz lembrar os jogadores de futebol, só que esses têm um cachet superior.