Num permanente manguito às convenções

 

Foram vários os encontros com Joaquin. O primeiro deles em Cannes, em 2000,  quando entrevistava a sua irmã Phoenix, a propósito do bem esquecível Esther Kahn , de Arnaud Desplechin. A memória é vaga mas logo a seguir a terminar a entrevista para o Magacine, da RTP, Joaquin pediu-me desculpa de forma “cool” e foi brincar com a irmã. Perguntava-me se eu não achava que ela era impecável no filme. Summer era impecável, mas o filme não.

Logo a seguir,  também em Cannes nesse mesmo,  nas entrevistas de Nas Teias da Corrupção ,de James Gray, novo encontro. Um Phoenix muito terra-a-terra, sorriso largo e a tratar-me como se fosse um amigo íntimo. As conversas, nessa base, correm sempre bem. Curiosamente, e aí prova-se que os filmes têm camadas de coincidências cósmicas entre si, aquando da promoção de The Woman on the Fifth (2011) , de Pawel Pawlikowski, Ethan Hawke olhava para o meu rosto e interrogava-se se não era às vezes confundido com Joaquin, coisa que veio a acontecer há dois anos na altura dos encontros para a imprensa de Não Te Preocupes, não Irá Longe a Pé , de Gus Van Sant, quando para a Notícias Magazine cheguei de novo à fala com ele, em Berlim. E aí encontrei um ator com um discurso algo provocatório, algures entre a confessa humildade e um estado sob influência. Um ator num mundo só dele e a dizer-me que ainda não tinha percebido como foi considerado o melhor ator em Cannes pelo papelão em Nunca Estiveste Aqui , de Lynne Ramsay.

Meses depois, numa viagem para Londres para falarmos sobre o seu Jesus de Maria Madalena, de Garth Davis, já me reconhecia. A mesma atitude punk, um ar cuidadosamente desmazelado e um discurso boémio que salientava o seu desprendimento pelos códigos de Hollywood. Uma entrevista para o Diário de Notícias onde dizia uma bela coleção de deliciosos disparates politicamente incorrectos. O “man” dele era muleta para acabar as frases mas também um “ó pá!” que conquista. Nada, mas mesmo nada a ver com o comportamento de uma estrela de cinema de Hollywood, já para não falar dos seus ténis Converse sujos e de uma t-shirt porca e rota. Quando agora vi o fabuloso Joker percebi porque razão o palhaço enraivecido que criou fica tão bem na sua pele…

Falar com Joaquin Phoenix deixa muitos jornalistas sem rede – há muitos que se queixam. Eu senti que estava sempre perante um artista que não se leva a sério e que se esquece sempre que os jornalistas têm gravadores. É alguém livre, na “boa”. Em Hollywood, assim tão selvagem encontrei talvez só o Benicio Del Toro dos anos 1990 e o Heath Ledger. Sobre ele, apetecia escrever um livro-entrevista. Teríamos de passar umas férias juntos no deserto. Só aí poderia decifrar o seu transcendente mistério, algures entre uma loucura feliz e uma dor permanente.